Com tornozeleira eletrônica, o garoto de programa André*, 32, sabe que, se tentar frequentar um curso pré-vestibular tradicional, poderá enfrentar os olhares preconceituosos dos colegas de classe. “Ninguém quer conviver com ex-presidiário, seja para estudar, seja para trabalhar. O único lugar que me acolheu foi aqui”, diz ele, referindo-se ao hotel de prostituição onde atua.
Ao lado de André, a transexual Dany Coute, 39, conta que a exclusão que sofreu em relação à educação começou cedo, na escola. “Sempre fui vítima de piadinhas homofóbicas, e a escola era um ambiente difícil para mim”, relata a prostituta, que deixou os estudos quando cursava o ensino fundamental.
André e Dany, que vão ser alunos do Curso Popular da Guaicurus, afirmam que históricos de passagem pela prisão e prostituição são empecilhos para a continuidade dos estudos. “Sem isso e ainda permeados pelo preconceito, não conseguimos acesso ao mercado de trabalho convencional, cada vez mais competitivo, e, então, aderimos à prostituição”, diz Dany Coute.
O professor e coordenador do projeto Una-se contra a LGBTfobia, Roberto Reis, explica que a escola está inserida em uma sociedade preconceituosa em relação à comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) e que ela acaba por produzir novas formas de opressão. “Muitos alunos chegam à faculdade vindos de uma trajetória escolar de exclusão. Eles são expulsos do ambiente escolar por causa do preconceito. É um ciclo de exclusão de responsabilidade de toda a sociedade. Ela devia ofertar cidadania, e não excluir”, avalia. “Se estivessem ocupando outro espaço, essas pessoas seriam violentadas com olhares e risadas”, opina Duda Salabert, idealizadora do projeto.
Dany Coute está certa de que vai se sentir acolhida no curso. Ela espera que a formação a ajude a deixar a prostituição. “Estou em uma idade em que o corpo cobra”, explica, ciente de que vai enfrentar preconceito no mercado de trabalho. Para Duda, “a maioria das transexuais que atuam na prostituição está nesse mercado por não ter opção”.
* Nomes fictícios
Falta de dados impede criação de projetos
Nem o governo de Minas nem a Prefeitura de BH possuem dados sobre a quantidade de profissionais do sexo na capital. Para a presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), Cida Vieira, isso dificulta a criação de políticas públicas voltadas para essa população. “Queremos eliminar o preconceito, além de levar cidadania e educação”, afirma.
Mesmo para quem não quer deixar a prostituição, ela destaca a importância de estudar. “A pessoa pode se habilitar para ter um segundo emprego, por exemplo”, sugere.