A crise econômica sem precedentes impacta o mercado da educação privada, mesmo que as aulas continuem sendo realizadas de forma remota. Um cenário fértil para a ampliação de grandes redes de ensino paulistas e cariocas em território belo-horizontino. Recentemente, o Colégio Magnum Cidade Nova foi vendido para a rede Inspira, enquanto a tradicional Faculdade Milton Campos foi comprada pelo Grupo Ânima, que já era dono dos centros universitários UNA e UniBH. O Colégio Decisão, que já tinha uma unidade na Pampulha, passou a ocupar o espaço onde por mais de cem anos existiu o Instituto Metodista Izabela Hendrix.
Muitas das redes que estão se expandindo nos últimos meses possuem fontes de capital diferentes das escolas tradicionais. Algumas, como a Ânima, têm ações na bolsa de valores, enquanto outras, como a Inspira, contam com recursos de fundos de investimento. Em um país com mais de 47 milhões de estudantes na educação básica, o mercado de educação é encarado por muitos como uma aplicação consistente para um retorno em longo prazo. O setor vem atraindo, inclusive, a atenção de investidores estrangeiros.
De acordo com Zuleica Reis, presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), estima-se que mais de 13 mil alunos da educação básica e infantil tenham deixado a rede privada para migrar para escolas públicas somente em Belo Horizonte neste ano. Até mesmo as tradicionais escolas confessionais (como são conhecidas as religiosas) estão tendo de lidar com a perda de alunos e uma inadimplência, que em média chegou a 40% em 2020.
No momento em que a classe média está com a renda achatada pela crise, o campo fica mais fértil para redes de ensino que oferecem mensalidades mais acessíveis. “Esses grandes grupos tiveram oportunidade de crescimento na pandemia. Elas possuem um fator econômico mais favorável e uma visão de mercado que vai além do educacional”, explica Zuleica.
Segundo a presidente do Sinep-MG, as escolas confessionais tendem a pagar salários mais altos aos professores e isso impacta o equilíbrio financeiro das escolas. “Em 2020, houve uma grande pressão dos pais e do Ministério Público para que houvesse uma redução nas mensalidades, mas a maior parte dos custos está na folha de pagamento”.
Para se ter uma ideia da velocidade de expansão das grandes redes, sobretudo de São Paulo, a Inspira adquiriu 34 escolas brasileiras entre janeiro de 2020 e maio de 2021, chegando a 60 escolas associadas e mais de 33 mil alunos impactados.
REESTRUTURAÇÃO ADMINISTRATIVA
Professora da Faculdade de Educação da UFMG com pesquisa voltada para o ensino superior privado, Maria Rosimary Soares explica que os grandes grupos realizam um processo de reestruturação administrativa e curricular nas instituições adquiridas, reduzindo custos e oferecendo mensalidades mais baratas.
“Elas conseguem oferecer programas de financiamento próprios, que acabam sendo muito importantes nesse momento em que houve uma redução na oferta do Fies”, explica Rosimary, acrescentando que a essa forma de trabalho tende a impactar a qualidade do ensino. “Durante a pandemia, todos foram para o ensino remoto, mas muitas grandes redes juntaram turmas, com aulas sendo apresentadas para até 200 alunos”.
E a tendência, segundo ela, é que grandes grupos com expertise no ensino superior migrem para a educação básica, inclusive nas redes públicas, oferecendo sistemas de ensino e apostilas. “Isso merece atenção, pois é um movimento mais preocupado com a comercialização da educação, mais preocupado com o lucro do que com uma formação integral”.
Para a professora, a presença do capital estrangeiro no mercado de educação – algo não regulamentado em lei – também interfere nesse cenário. “Estão cada vez mais adquirindo instituições nacionais e acabam atuando cada vez mais no sistema educacional brasileiro”, diz Rosimary, citando a gigante norte-americana Laureate, com 50 unidades espalhadas pelo Brasil, entre elas a marca paulista Anhembi Morumbi.
EXPANSÃO COM QUALIDADE, GARANTE DIRETOR DA ÂNIMA
Os professores também tendem a ser impactados pelo crescimento das grandes redes, segundo a presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro MG), Valéria Morato, por terem menor liberdade em sala de aula. “As redes trabalham com sistema apostilado que é único para todo o país e não respeitam as diferenças regionais. Os professores não participam da construção do projeto político-pedagógico. A ordem é cumpra-se, e não construa-se”, afirma.
Já o diretor de operações da Regional Minas Goiás do Ecossistema Anima, Rafael Ciccarini, garante que o grupo Ânima tem como prioridade máxima a qualidade no ensino e não tem a pretensão de adquirir faculdades só para aumentar a base de alunos. “Nosso interesse é por adquirir escolas, faculdades e universidades com legados, história de famílias, sonhos, e isso não é diferente com a Faculdade Milton Campos”, afirma.
Ciccarini confirma que o grupo passou a trabalhar o sistema híbrido em boa parte de seus cursos, mas que isso não deve ser confundido com o Ensino a Distância (EAD). “Temos uma aposta pregressa que não abre mão do professor, não abre mão da qualidade, mas não nega a maneira com que o futuro se coloca, como o digital facilita a aprendizagem”.
PROCURA POR OPÇÕES MAIS SOFISTICADAS
Ao escolher uma escola privada para os filhos, muitas famílias de classe média estão procurando por produtos mais sofisticados, de acordo com André Aguiar, fundador e CEO da Inspira Rede de Educadores. Fluência em inglês e compreensão de robótica estão entre as opções procuradas, mas tudo isso exige investimentos altos. “A escola sozinha de comunidade já não consegue atender essa demanda”, diz o empresário.
Confira entrevista com o líder da rede que adquiriu 34 escolas em menos de 18 meses.
Quando um colégio é adquirido, quais são as mudanças implementadas na área administrativa e na área educacional?
A associação entre as escolas e a Inspira mantém intactos os valores e a gestão da escola. A associação com a Inspira Rede de Educadores dá mais robustez às diretrizes pedagógicas e formativas da escola. Esse é um dos principais diferenciais da companhia frente aos grandes grupos que, ao incorporarem uma instituição, remodelam toda a proposta de valor. Nosso propósito é manter o DNA das escolas levando inovação e tecnologia. Focamos na integração daquilo que é administrativo e financeiro, apoiamos os investimentos e expansão das escolas, preservando o legado porque acreditamos muito que o grande ativo de uma escola é a reputação e a confiança que ela conquistou da sociedade e da comunidade escolar ao longo dos anos. Investimos muito no ambiente da escola, preservando sua liberdade para produzir seus próprios conteúdos e, ao mesmo tempo, ter acesso também a conteúdos complementares.
Durante a crise econômica, agravada pela pandemia, vimos muitos colégios tradicionais fechando ou sendo vendidos, enquanto as grandes redes estão se expandindo. Por que isso acontece?
A educação básica tem atraído muito interesse de investidores do mundo todo e isso se dá por vários motivos: é um setor enorme, sem nenhum operador grande e pulverizado – o maior deles detém 1% do setor; é um setor resiliente, então, mesmo diante de um contexto de crise aguda com a pandemia, as escolas, mesmo sofrendo, se mantêm de pé; a educação é um setor de longo prazo, quando a escola é boa, o aluno chega a ficar 15, 16 anos nela; além de ser uma prioridade para as famílias, as pessoas se esforçam para manter os filhos em uma boa escola. A raiz de tudo isso é uma verdadeira transformação social. A educação privada e a família brasileira querem produtos mais sofisticados. Desejam que o filho tenha inglês fluente, entenda de robótica, de programação tudo isso depende de mais investimentos. A escola sozinha de comunidade já não consegue atender essa demanda.
De que forma o investimento do BTG Pactual impactou no crescimento da rede Inspira?
Temos diversos investidores que buscam apoiar um setor resiliente, de longo prazo e de impacto social como o nosso. Um deles é um fundo de capital privado gerido pelo BTG Pactual. É um investimento que traz mais robustez e segurança à nossa jornada de crescimento aliado à perpetuação do legado de grandes escolas.
Belo Horizonte é uma cidade em que o ensino tradicional é muito focado nas escolas confessionais (católicas e batistas, especialmente) e com grandes redes já consolidadas, como Bernoulli. Por que as grandes redes viram potencial de expansão para a capital mineira neste momento?
O setor de educação básica ainda oferece muitas oportunidades aos grupos educacionais com capacidade de investimento. Em todo o Brasil e, particularmente, em Minas Gerais, há muitos educadores e empreendedores vocacionados lutando sozinhos para manter as escolas abertas, com a qualidade que desejam. Eles precisam de investimentos em tecnologia, infraestrutura, desenvolvimento de pessoas. O setor da educação tem todos os indicadores para um movimento de consolidação, formação de grupos, o que é saudável para as escolas, que com os investimentos necessários, passam a entregar para as famílias mais qualidade, inovação, infraestrutura e desenvolvimento continuado de pessoas.