Definitivamente, o empresário e artista plástico Carlos Ferrer, 64, tinha outros planos para comemorar os 14 anos da Nobres Pecadores, marca que ele fundou em 2007. Era uma sexta-feira de agosto. O espaço, cravado na Avenida Cristóvão Colombo, 532, na região da Savassi, estava pronto para receber os clientes. “Fiz um coquetel, foi muito bacana. A Júnia Rabelo tocou e cantou ao vivo, tomamos algumas champanhes, tinha muita gente. Era um tempo em que a gente podia comemorar”, comenta Ferrer.
A celebração agora dá lugar ao lamento. A partir desta sexta-feira (28), a tradicional loja, primeira das nove unidades que a marca já teve em Belo Horizonte, começa a liquidar seu estoque com descontos de até 80%. A previsão é de que daqui a um mês ela deixe de ocupar o endereço de mais de uma década. “Não estou falindo, estou fechando. Não devo nada a ninguém”, Ferrer faz questão de ponderar.
Sobre o encerramento das atividades na Savassi, ele não esconde a “tristeza profunda”: “É muito triste jogar um sonho fora. Montei a Nobres Pecadores do zero, sozinho, com valentia, garra e muito trabalho. A marca arrebentou, fez sucesso. Eu sempre quis fazer diferente, não temos estilista metido a besta. Nunca copiei nada de ninguém, sempre fiz as loucuras da minha cabeça”.
Para o proprietário, o que sobra são boas histórias, como o dia em que, às vésperas do show de Paul McCartney em Belo Horizonte, em 2013, a loja ficou tão repleta de clientes que era até difícil entrar no estabelecimento. Em três dias, Ferrer diz ter vendido quase mil produtos relacionados aos Beatles, entre camisas, bolsas, vestidos, botons e pulseiras. “O povo invadiu a loja, veio um mar de gente. Vendi R$ 30 mil em três dias. É como se eu tivesse vendido R$ 90 mil nos valores de hoje”, observa.
A Nobres Pecadores ficou conhecida por utilizar personagens da cultura pop – bandas, filmes, séries – nas estampas criadas por Ferrer. Além das camisetas, com o tempo a loja passou a fabricar e a vender bolsas, mochilas, vestidos e pulseiras para diversas faixas etárias, de bebês a adultos. Mineiro de Serra dos Aimorés, no Vale do Mucuri, Carlos Ferrer chegou a BH aos 4 anos de idade. Ainda adolescente começou a criar desenhos e estampas próprias e a trabalhar como vitrinista em várias lojas da cidade.
Nos anos 80, as camisas produzidas por Ferrer com slogans para a campanha das “Diretas Já” ganharam repercussão. “Eu sempre quis mexer com a inquietação das pessoas, transformá-las em bandeiras do que elas pensam. Tenho referências de moda, leio, mas criar o inédito é o que me move, por isso consegui fazer duas marcas do zero”, diz o empresário, um dos sócios-fundadores da marca Ospício.
Crise
A pandemia e os vários meses de comércio fechado na capital, claro, aceleraram o processo de fechamento da loja, mas Ferrer avalia que a crise econômica e o colapso são anteriores ao período afetado pela Covid. Segundo o empresário, a Savassi sofre com a falta de políticas pensadas para a região, o descaso e o abandono da prefeitura. “A Savassi está morta. Se você for na minha loja e olhar para o outro lado da rua só vai ver placa de “Aluga-se”. Do meu lado está tudo fechando também, ninguém aguenta. Às vezes, paro ao lado da estátua do Roberto Drummond e falo: ‘É, Drummond, abandonaram nossa Savassi, ela está um horror’”, conta o empresário.
Atualmente, a Nobres Pecadores possui outras três unidades, sendo que no Buritis e no Minas Shopping também podem ser fechadas nos próximos meses. A marca ficaria apenas com a loja no bairro Ouro Preto. “Mas as pessoas gostam mesmo é da loja da Savassi por ter sido a primeira, por ter uma pegada mais rock ‘n’ roll”, ressalta o proprietário.
A loja da Savassi chegou a ter seis funcionários; hoje conta só com uma atendente. No Minas Shopping a situação é a mesma: dois oito colaboradores restaram apenas dois. No Buritis, quem comanda o atendimento é a filha de Ferrer.