Quatro perícias feitas na gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista divergem em três pontos.
Há consenso sobre a existência de interrupções, mas discordância sobre o que as provocou. Também existe divergência a respeito de uma expressão usada por Joesley (“todo mês” ou “tô no meio”) e sobre a validade da gravação como prova judicial.
Os laudos foram feitos pela defesa de Temer, por dois especialistas contratados pela Folha e pela Polícia Federal.
Para o laudo da PF, as pausas foram causadas por um dispositivo do gravador que interrompe a captação na ausência de som.
O IBP (Instituto Brasileiro de Peritos), contratado pela Folha, diz que esse mecanismo só explica parte das interrupções. O restante tem características distintas e pode ter ocorrido após a gravação –as causas são indeterminadas.
A PF diz que a prova é válida porque inexistem indícios de adulteração ou supressão intencional de parte da conversa.
Já o perito Ricardo Molina, contratado por Temer, o IBP e o perito Ricardo Caires dos Santos (também a serviço da Folha ) afirmam que a baixa qualidade da gravação, as pausas de causa indeterminada e a má preservação do equipamento inviabilizam o uso no processo.
O áudio, feito pelo empresário na noite de 7 de março no Palácio do Jaburu, foi entregue diretamente à Procuradoria-Geral da República em meio à negociação de delação premiada. A gravação não passou pela Polícia Federal.
No inquérito de investigação de Temer, aberto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, a PGR aponta suspeita de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça. O áudio gravado por Joesley é um dos elementos da investigação.
Além da gravação da conversa, a PGR lista, por exemplo, outras suspeitas contra Temer, como o recebimento de R$ 500 mil pelo deputado afastado e preso Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), aliado do presidente da República.
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PERÍCIA DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA (23 de junho; apresentada pela Polícia Federal)
Houve interrupção da gravação? Qual a causa?
SIM, causada pela compressão do som captador.
O laudo descarta a possibilidade de adulterações na prova, que apresenta “aparente encadeamento lógico de ideias e assuntos que remetem a um diálogo travado entre dois interlocutores com início, meio e fim”.
Quantas são as interrupções?
A Polícia Federal identificou 294 pausas, cada uma, em média, com 1,3 segundo de duração. É “um tempo muito curto”, em que seria impossível omitir partes da conversa.
Joesley diz “todo mês” ou “tô no meio”?
Joesley: Tô de bem com Eduardo.
Temer: Muito bem.
(descontinuidade)
J:… e…
T: Tem que manter isso, viu?
(descontinuidade)
J:… oooo…
T: (ininteligível)
(descontinuidade e ruídos de movimentação)
J: (ininteligível) Todo mês…
T: O Eduardo também, né?
J: Também.
A perícia considera a prova válida?
SIM. Além de analisar o encadeamento lógico, a perícia analisou outros elementos linguísticos de uma conversa, como a “evolução da entonação, ritmo e intensidade da fala”.
Nesse sentido, também não há elementos que indiquem adulteração ao áudio, “consistente com a maneira em que se alega ter sido produzida”. “Em especial, não foram encontrados elementos indicativos de que a gravação tenha sido adulterada por meio da inserção ou supressão intencional de trechos de falas ocorridas em outro momento ou ambiente diverso”
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PERITO RICARDO MOLINA DE FIGUEIREDO (24 de maio; apresentada pela defesa de Temer)
Houve interrupção da gravação? Qual a causa?
SIM. A perícia não explicita o que causou a interrupção, mas diz que elas podem ter sido causadas por “alguma falha sistêmica do gravador”.
A questão, diz Molina, não são as falhas técnicas em si, mas a brecha que elas abrem para “edições cuja detecção seria impossível”: “Uma edição feita com algum cuidado poderia reproduzir exatamente as características de uma falha sistêmica real”.
Quantas são as interrupções?
O parecer não as enumera no total, mas diz que são “inúmeros pontos” que podem ter mascarado edições.
Molina argumenta que a distribuição dessas pausas não é homogênea. Ele detectou cinco pontos de “possível edição” entre o minuto 11:36 e o 11:53 –os 17 segundos com a “maior concentração” das interrupções e com “as falas mais divulgadas e exploradas pela mídia”.
Joesley diz “todo mês” ou “tô no meio”?
Joesley: Tô no meio.
Temer: (ininteligível)
J: Também.
A perícia considera a prova válida?
NÃO. O laudo diz que é “tecnicamente ruim” e “imprestável”.
Molina sustenta que o áudio digital é de fácil edição e questiona inclusive o nome dos arquivos entregues pelo empresário ao Ministério Público Federal. Ele observa, também, que é impossível considerar que a conversa tenha “sequência lógica”.
“Em especial nas falas do presidente Michel Temer, em função de seu maior afastamento em relação ao gravador e de eventuais mudanças de direcionalidade em relação ao microfone captador”, diz o parecer.
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PERITO RICARDO CAIRES DOS SANTOS (19 de maio; contratada pela Folha)
Houve interrupção da gravação? Qual a causa?
SIM. Laudo não indica as causas. Em entrevista à Folha, citou indícios claros de edições e manipulações.
Quantas são as interrupções?
Mais de 50 interrupções.
Joesley diz “todo mês” ou “tô no meio”?
É inconclusivo.
A perícia considera a prova válida?
NÃO. Este áudio não serve como prova pericial nem mesmo de prova documental devido a que o objeto “áudio” está eivado de vícios.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE PERITOS (29 de junho; contratada pela Folha)
Houve interrupção da gravação? Qual a causa?
SIM. Parte ocorreu em razão de um dispositivo do gravador de economia de bateria na ausência de som. Mas há outras descontinuidades sem relação aparente com esse mecanismo. Podem ter ocorrido durante ou após a gravação, e a causa é indeterminada.
Quantas são as interrupções?
Mais de cem interrupções.
Joesley diz “todo mês” ou “tô no meio”?
É inconclusivo. O trecho em questão tem sua linearidade comprometida porque contém grande quantidade de descontinuidades e partes ininteligíveis. Prejudica a compreensão ainda a sobreposição de falas.
A perícia considera a prova válida?
NÃO. O arquivo questionado não possui os atributos mínimos para sua aceitabilidade do ponto de vista da perícia forense. Contém descontinuidades não explicadas pelas características do equipamento, não consta que possua cadeia de custódia e, além de tudo, também não consta que o equipamento gravador tenha sido preservado desde o momento da gravação.