A falta de repasses do governo do Estado ameaça o atendimento em pelo menos três casas de semiliberdade que abrigam adolescentes infratores em Belo Horizonte. Segundo funcionários das instituições, o serviço tem se mantido graças à boa vontade de oficineiros e voluntários. O fornecimento de comida, entretanto, pode ser reduzido a partir desta terça-feira (22), e o vale-transporte, entregue aos jovens para que eles frequentem a escola regular, também estaria acabando.
O governo de Minas admitiu que houve atraso em todas as 11 unidades de semiliberdade do Estado, mas que o problema já foi resolvido em oito delas. Nas três, no entanto, ainda há falta de recurso, e o governo promete normalizar o repasse em breve. Atualmente, Minas tem 180 jovens sob tutela nas 11 unidades. Por ano, são gastos R$ 21 milhões com os atendimentos.
Em Belo Horizonte, o atraso já ocorre há 21 dias e atinge o Instituto Jurídico para Efetivação da Cidadania (Ijuci), responsável por três casas. Essas unidades, localizadas nos bairros Ipiranga, na região Nordeste, Planalto, na Norte, e São Luiz, na Pampulha, atendem cerca de 60 adolescentes e contam com 88 colaboradores. O valor do repasse pendente, segundo a ONG, é de R$ 1,35 milhão.
“As pessoas estão indo trabalhar com medo de perderem o emprego. Legalmente, não tem como manter as casas, está ficando insustentável. Uma das possibilidades é liberar os meninos (adolescentes)”, disse uma funcionária, que pediu para não ser identificada.
A ONG informou, em nota, que o fornecedor de comida já notificou que, a partir desta terça-feira (22), iniciará um contingenciamento, reduzindo as refeições dos adolescentes até cessar completamente o serviço.
Motivo. O governo não informou o motivo do atraso no repasse. Um funcionário de uma das casas disse que houve problema na prestação de serviço da ONG. O Ijuci, por sua vez, informou que tem documentos que provam a regularidade das ações. Segundo a entidade, o motivo do atraso no pagamento dos funcionários é o fluxo de caixa do governo.
O Ijuci acredita que o dinheiro será depositado nesta semana, conforme acordado com a Secretaria de Segurança Pública (Sesp). “Nosso repasse aguarda a abertura de um sistema eletrônico para que o recurso seja empenhado, liquidado, e o pagamento, efetuado”, afirmou a ONG em nota.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que não houve nenhuma interrupção de atividades nas instituições tampouco no fornecimento de alimentação ou qualquer outro bem.
Outras. A reportagem não conseguiu falar com o Polo de Evolução de Medidas Socioeducativas (Pemse), responsável pelas demais casas de atendimento dos jovens infratores.
Os regimes
Semiliberdade. O adolescente passa a noite no centro socioeducativo. Durante o dia, ele pode sair. São diretrizes dessa política o atendimento técnico, o encaminhamento para formação profissional, oficinas e atividades de cultura, esporte e lazer.
Internação provisória. É quando o menor fica acautelado por, no máximo, 45 dias, enquanto aguarda decisão judicial.
Internação. O menor fica acautelado no centro. Não pode sair até cumprir o prazo determinado pelo juiz. O menor pode cumprir pena fora da cidade onde vive.
Análise
‘É preciso transferir os jovens’
Sem os repasses, as instituições não têm condições jurídicas de funcionamento, segundo a vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, Ana Carolina Castro. De acordo com a especialista, essas casas deveriam estar fechadas.
“Se o governo não tem feito os repasses, não existe a possibilidade jurídica de se executarem as medidas nessas casas. O governo tem a obrigação de efetuar esse pagamento para que o estabelecimento se adéque. Se isso não ocorre, é preciso diminuir a capacidade ou transferir esses jovens para outras unidades”, pontuou.
Nos últimos três anos, conforme publicado por O TEMPO em abril, foram instauradas 31 investigações referentes a irregularidades nos centros de internação e nas casas de semiliberdade da capital: ao todo, foram 17 inquéritos civis, cinco procedimentos preparatórios e nove administrativos para apuração e acompanhamento de irregularidades na infraestrutura dos imóveis, no déficit de recursos humanos e nas condições de alimentação, do transporte e das visitas de familiares, segundo o Ministério Público.
Com 1.485 vagas, os 36 centros de internação do Estado têm 1.800 jovens em regimes de internação, internação provisória e semiliberdade, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).
A pasta informou nessa segunda-feira (21) que é inconcebível a especulação de que as casas vão dispensar os adolescentes. Segundo o órgão, as instituições parceiras não têm competência legal para isso e seriam imediatamente desligadas por questões contratuais.