Francisco Canindé Dias completou 60 anos em 1º de novembro do ano passado debruçado sobre livros e trabalhando duro na elaboração do seu trabalho de conclusão de curso, o TCC. Semanas depois, ele fez a defesa de sua monografia diante da banca do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e se formou em direito. Recebeu uma grande homenagem dos colegas na colação de grau, no último sábado.O curso foi a terceira graduação do agora advogado, que decidiu fazer a faculdade depois de ter problemas jurídicos em sua empresa de tecnologia da informação.
Mineiro de Ituiutaba, Francisco chegou a Brasília quando tinha 18 anos. Foi prestar o serviço militar. Ele se formou em estudos sociais em 1982, no UniCeub, onde chegou a atuar como atleta — era lateral direito do time de futebol. Mas não parou por aí, a busca pelo conhecimento e aperfeiçoamento na carreira profissional o fizeram concluir, em 1986, pós-graduação em análise de sistemas, na Universidade Católica de Brasília. Também fez MBA em gestão de negócios na Universidade Castelo Branco (RJ), em 2005.
No IDP, boa parte dos professores é mais nova do que Francisco. Alguns têm quase a metade do tempo de vida dele, como Guilherme Pupe da Nobrega, 31 anos, e João Trindade Cavalcante Filho, 32. O orientador do TCC dele, Sérgio Alves Júnior, tem 37 anos.
O agora advogado carrega no currículo uma série de outros cursos, como informática, gerência de projetos e estudos de política e estratégia na Adesg (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), ligada ao Ministério da Defesa.
“A necessidade me obrigou a procurar mais. E ainda não parei. Quero fazer um mestrado, um doutorado, quero fazer em direito constitucional. Ter 60 anos me possibilitou um grande leque de conhecimento, e quanto mais a gente sabe, mais a gente quer saber.”
Essa “necessidade” se estendeu ao longo dos 10 semestres de curso. Francisco teve de se dividir entre os estudos, o trabalho e a preocupação com os problemas na gestão da empresa de TI.
“Eu fui muito mal assessorado (na empresa). Por isso quis estudar o direito, para entender por que eu estava sofrendo tantas ações judiciais. Entrei com esse objetivo, mas o curso transforma a gente. Hoje estou mais focado na questão social, quero trabalhar pelos quilombolas, negros, pela demarcação de terras. Isso é o que me dá mais prazer. Direito é vida.”
Antes de se matricular no IDP, Francisco tentou fazer o mesmo curso no UniCeub. Ele iniciou o estudos em 2010, mas teve de trancar a faculdade no ano seguinte, por questões financeiras. Mesmo na instituição em que terminou o direito, ele quase não conseguiu prosseguir. A boa nota no Enem e uma bolsa integral obtida pelo ProUni, concedida nos três últimos anos de curso, garantiram que ele se formasse.
“Só vendo mesmo pra saber. Foi tudo muito difícil, tinha família pra cuidar. A sensação de concluir a faculdade de direito é de uma alegria muito grande. Um grande desafio, mas eu tinha um foco. Hoje sou operador do direito, venci todas as barreiras. Houve momentos em que eu pensava: ‘Esse negócio não termina nunca!’, mas eu venci todos os obstáculos”, orgulha-se.
Barreiras
“Francisco é um exemplo de vida. O que para muitos seriam barreiras intransponíveis ele superou, não desistiu em nenhum momento”, destaca o professor Daniel Falcão, 36 anos. “Fazer parte da banca dele foi muito emocionante, foi um dos maiores dias como professor”, afirma.
Ele começou a estudar aos 7 anos, na mesma escola onde a mãe era merendeira. O advogado ajudava na limpeza do local, sendo responsável por duas salas grandes e o banheiro masculino. O primeiro emprego veio aos 13 anos, quando ele se tornou entregador de leite. Ainda na adolescência, trabalhou como balconista e estoquista de peças de uma revendedora de carros.
Brasília passou a fazer parte da vida dele em 1975, quando se alistou na Força Aérea Brasileira. Na capital, trabalhou na Vice-Presidência da República, na Infraero, nos Correios e no Datasus antes de se tornar consultor de TI para empresas privadas. Francisco abriu sua empresa em 1996, a mesma que lhe traria problemas com a Justiça e o impulsionaria a cursar a faculdade concluída em 2017.
(Fonte: Correio Braziliense)