O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP-MG), a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DP-ES) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ingressaram com ação civil pública nesta quarta-feira (12) contra a Fundação Renova por promoção de publicidade enganosa. São requisitados pagamento de mais de R$ 56 milhões em danos morais coletivos e retirada imediata das publicações do ar.
Os órgãos citam, em especial, as “rubricas ‘Da reparação até aqui’, ‘Expedição Rio Doce’ e ‘Conteúdo de marca – site UOL’”, além de “outras assemelhadas que ainda se encontrem no site da fundação”. Conforme as instituições de Justiça, os materiais publicados contém “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas”, que noticiam “o restabelecimento de uma ‘normalidade’ inexistente, em temas fundamentais para a população, como a qualidade da água e do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização, reassentamento e concentração de rejeitos”. Questionadas, a Samarco disse que “não foi notificada e não vai comentar”, e a Fundação Renova disse que ainda não foi notificada. (Veja nota na íntegra no fim do texto).
“Com apoio em estudos científicos, perícias e trabalhos de campo realizados por especialistas, a ação demonstra que, ao contrário do que apregoa o material propagandístico, passados mais de cinco anos do desastre do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, persistem a insegurança no consumo da água e dos peixes, a espera por indenizações, as ameaças de interrupção no pagamento dos auxílios de subsistência, a ocorrência de trincas e rachaduras em casas, o atraso nas obras de reassentamentos e um enorme número de famílias ainda vivendo em locais provisórios”, detalham, em nota à imprensa.
Os órgãos argumentam ainda que, as propagandas enganosas da Renova, aliadas “à falta de participação social dos atingidos e atingidas nos processos decisórios, à resistência ao reconhecimento de territórios e pessoas atingidas e à falta de suporte físico e emocional às vítimas do desastre”, tem “originado ainda o aumento da violência doméstica, o agravamento de problemas de saúde, dúvidas, conflitos e insegurança alimentar”.
Apesar de cinco anos da tragédia da Samarco em Mariana terem passado, e menos de 20% da população atingida ter tido reparação concluída, a Renova sustenta, em “vídeos de qualidade hollywoodiana” e “textos laudatórios”, a falsa argumentação de que “o dano ambiental seria imperceptível” e que, no período, “a vida de todos voltou ao normal”.
“No total, nos últimos seis anos, foram gastos R$ 28,1 milhões em publicidade, sendo R$ 0,3 milhões em 2018, R$ 6,7 milhões em 2019, R$ 17,8 milhões em 2020 e 3,3 milhões em 2021. Tais valores adquirem especial relevância quando se constata que eles foram gastos em detrimento de diversos programas cuja execução é a única razão da existência da Renova”, ressalta o texto da ação civil pública ajuizada.
O somatório do despendido com a campanha publicitária veiculada em 2020 é superior ao valor individualmente gasto em “13 dos 42 programas previstos no acordo que criou a entidade, conforme dados apresentados no site da própria fundação”, continuam os órgãos.
“Entre eles, o Programa de Proteção Social (PG005), com gastos de R$ 12.858.012,47; o Programa de Reparação para emergências ambientais (PG034), com R$ 8.900.178,32; o Programa de Retomada das Atividades Agrícolas e Pesqueiras (PG016), com R$ 5.309.122,57; o Programa de Recuperação da Fauna Silvestre (PG029), com R$ 1.934.162,37; o Programa de Gestão de Riscos Ambientais (PG 037), com R$ 169.461,17”, explicam.
“Para as instituições de Justiça, está muito claro que o verdadeiro público-alvo das inserções publicitárias da Fundação Renova não é a população atingida, mas investidores e a sociedade em geral. Tanto é verdade que os dados veiculados, além de omitirem completamente toda e qualquer informação técnica considerada ‘negativa’ à imagem das empresas, não atendem às demandas dos diretamente afetados pelo desastre”, conclui a nota.
Além de determinar a retirada do material publicitário do ar, as instituições pedem à Justiça que a Renova veicule “contrapropaganda” na mesma “forma, frequência, dimensão” e “preferencialmente” nos mesmos veículos, locais, espaços e horários. Com isso, visa-se esclarecer que as campanhas são falaciosas. A ação requisita, ainda, que a fundação pague danos morais coletivos em valor mínimo de R$ R56.302.564,60, equivalente ao dobro do destinado às campanhas realizadas.
Nota da Fundação Renova:
A Fundação Renova entende que o cenário da reparação é complexo e demanda espaço para o debate esclarecido e bem informado dos múltiplos agentes envolvidos – atingidos, academia, autoridades, sociedade e a própria Fundação Renova -, refutando qualquer alegação de informação inverídica. A Fundação Renova informa que os valores utilizados para as ações pagas de mídia são oriundos dos recursos administrativos da Fundação, que não são os destinados aos programas de reparação e compensação. Ter acesso às informações e aos dados da reparação é um direito de toda a sociedade e dever previsto na Cláusula 60 do TTAC, que determina promover “acesso à informação ampla, transparente, completa e pública, em linguagem acessível, adequada e compreensível a todos os interessados, como condição necessária à participação social esclarecida”. As ações de comunicação e a utilização de publicidade paga destinam-se, portanto, a difundir, para atingidos, sociedades atingidas e amplos segmentos da sociedade brasileira, os dados sobre a reparação. São maneiras de ampliar o acesso às informações e o debate sobre as ações em andamento na bacia do Rio Doce para diversos segmentos sociais. Com relação à Ação Civil Pública, a Fundação Renova não foi citada até o momento e se manifestará no prazo legal.